Barcas Rio - Niterói: De travessias à vela a embarcações modernas, as barcas têm moldado o cotidiano e a economia da região metropolitana do Rio de Janeiro.
Estação das Barcas em Niterói | Foto: reprodução |
A história das barcas que ligam o Rio de Janeiro a Niterói remonta ao século XIX, sendo uma das mais antigas formas de transporte público da região. Essa ligação, que hoje é essencial para milhares de pessoas, começou como uma alternativa rudimentar e foi se transformando ao longo dos anos para atender às demandas de uma crescente população.
As primeiras travessias: o início de uma conexão histórica
No início do século XIX, as travessias entre o Rio de Janeiro e Niterói eram realizadas por embarcações movidas a vela ou a remo. Essa era a única forma de ligação direta entre as duas cidades, uma vez que não existiam pontes que conectassem os dois lados da Baía de Guanabara. As viagens eram lentas e bastante dependentes das condições climáticas, muitas vezes tornando-se perigosas para os passageiros.
Em 1835, foi criada a Companhia de Navegação Niterói, a primeira empresa organizada a operar no trajeto, utilizando embarcações a vapor. O novo método revolucionou a travessia, proporcionando maior regularidade e conforto. Essas barcas a vapor passaram a ser símbolos de modernidade e um marco do desenvolvimento urbano da época.
Expansão no século XX: das reformas às crises
Com o crescimento populacional e econômico das cidades de Niterói e do Rio de Janeiro no início do século XX, o serviço das barcas se expandiu. Novas embarcações foram adquiridas, e o trajeto tornou-se uma rota indispensável para trabalhadores e estudantes. Durante os anos 1950 e 1960, o transporte marítimo viveu seu auge, transportando milhares de pessoas diariamente.
No entanto, com a inauguração da Ponte Rio-Niterói em 1974, as barcas perderam parte de sua relevância. Muitos usuários migraram para o transporte rodoviário, e o sistema entrou em um período de crise. A falta de investimentos em manutenção e modernização agravou a situação, gerando reclamações sobre atrasos, embarcações sucateadas e superlotação.
Renovação e modernização no século XXI
A virada do século trouxe novos desafios e oportunidades para o sistema de transporte aquaviário. Com a privatização e a entrada de novos operadores, como a CCR Barcas, as travessias passaram por um processo de modernização. Novas embarcações foram adquiridas, incluindo catamarãs mais rápidos e confortáveis. Além disso, novas linhas foram criadas, como as que atendem a Ilha do Governador e Paquetá.
Atualmente, as barcas transportam milhares de passageiros diariamente, sendo uma alternativa viável para evitar o trânsito intenso na Ponte Rio-Niterói. Apesar dos avanços, o serviço ainda enfrenta críticas relacionadas à superlotação e ao preço das passagens, apontando para a necessidade de mais investimentos e melhorias.
O legado cultural e histórico das barcas
Mais do que um meio de transporte, as barcas Rio-Niterói são um símbolo da história e da cultura fluminense. Atravessar a Baía de Guanabara proporciona aos passageiros uma das vistas mais deslumbrantes do Rio de Janeiro, com o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor e as montanhas ao fundo.
Hoje, as barcas continuam sendo uma parte vital do cotidiano de muitos moradores, conectando histórias, vidas e sonhos entre duas cidades irmãs. Ao mesmo tempo, sua trajetória representa os desafios e as transformações da mobilidade urbana em um dos cenários mais icônicos do Brasil.
Curiosidade sobre as Barcas:
*Até hoje, só houve um naufrágio na travessia das barcas, e aconteceu em dia 26 de outubro de 1915, quando uma barca que transportava alunos do colégio Salesiano.
No dia 26 de outubro de 1915, ocorreu uma das maiores tragédias registradas nos 180 anos de história das Barcas. No Canal do Mocangüê, altura da Ponta da Areia, já em Niterói, o Mestre Januário F. de Souza, que conduzia a “Sétima”, não viu uma boia que indicava a presença de uma pedra no caminho da embarcação. O fundo do casco da barca foi rasgado e em questão de minutos ela foi a pique, com 328 alunos, mais professores e tripulantes a bordo.
Assim que a barca se abalroou contra a pedra, o pânico se instalou entre as crianças e adolescentes. Muitos simplesmente saltaram para fora, deixando os coletes a bordo. Outras ficaram presas dentro da embarcação. A maioria simplesmente não sabia nadar – numa época em que os exercícios físicos ainda não eram uma constante na formação dos estudantes e que ainda se iniciava a mania de frequentar as praias.
Havia duas outras razões para o clima de medo a bordo. A primeira era a lembrança de outra tragédia: o incêndio da Barca Terceira, no Dia de Reis (6 de janeiro) de 1895 (exatos 20 anos antes, e a maior de todas as tragédias ocorridas nas Barcas), que matou 150 pessoas queimadas e afogadas. Mas a principal delas era a Primeira Guerra Mundial, iniciada um ano antes, e a ação dos submarinos alemães por todo Atlântico. Muitos temiam que houvesse um torpedeamento em águas brasileiras, razão pela qual muitos evitavam navegar para além da barra da Baía.
Dentre os poucos adultos presentes, o professor Otacílio Ascânio Nunes, um jovem seminarista negro e atlético, foi o que mais se esforçou para salvar os alunos. Ele foi visto nadando e mergulhando várias vezes para resgatar as crianças, colocando-as a bordo da lancha Cruzeiro, que correu para acudir aos náufragos. Mas depois de salvar dezenas de seus pupilos, Otacílio fez um último mergulho e desapareceu. Seu corpo só foi resgatado uma semana depois. Mas além de Otacílio, 27 estudantes morreram.
A “Tragédia da Barca Sétima” comoveu o Brasil. A imprensa carioca descreveu o desastre com as tintas mais sensacionalistas possíveis, chegando a exibir closes explícitos e (pros padrões atuais da ética jornalística) indecorosos dos cadáveres resgatados. Assim que a notícia do desastre chegou ao Rio, o cardeal Arcoverde suspendeu a realização do luxuoso banquete para 400 convidados que comemoraria seu jubileu episcopal, e mandou que se distribuísse a comida aos pobres. Uma grande mesa foi montada no terraço em frente ao Convento de Santo Antônio, ainda hoje existente no Largo da Carioca, aonde mais de mil pessoas compareceram para comer de graça.
A “Sétima” foi içada do fundo da Baía semanas depois, sendo recuperada e colocada novamente em serviço. Por diversos dias posteriores ao naufrágio, corpos das vítimas apareceram em vários pontos. Aquela não seria a última tragédia fatal na história das Barcas. Na noite de 7 de setembro de 1947, a barca “Icaraí”, da Cantareira, foi atingida pela lancha “Peruana”, da concorrente Frota Carioca. A primeira embarcação estava indo se abastecer de carvão em Niterói, enquanto que a segunda estava lotada, transportando passageiros do Cais Pharoux (Praça XV) para Niterói. 33 morreram e 50 ficaram feridos.
A situação chegou ao ápice quando a concessionária responsável anunciou mais um reajuste tarifário, considerado abusivo. Para muitos, essa medida foi a gota d'água em um cenário de negligência e exploração.
Em meio ao caos, a estação foi incendiada, resultando em cenas de destruição que chocaram a região. A revolta não apenas destruiu parte da estrutura da estação, mas também revelou o profundo abismo entre os interesses da população e a gestão do sistema de transporte.
Como resultado, medidas emergenciais foram tomadas para melhorar o serviço, ainda que de forma limitada e tardia. O episódio também gerou um debate mais amplo sobre os direitos dos usuários de transporte público e a necessidade de fiscalização mais rigorosa das concessionárias.
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