Barcas Rio - Niterói: De travessias à vela a embarcações modernas, as barcas têm moldado o cotidiano e a economia da região metropolitana do Rio de Janeiro. Estação das Barcas em Niterói | Foto: reprodução A história das barcas que ligam o Rio de Janeiro a Niterói remonta ao século XIX, sendo uma das mais antigas formas de transporte público da região. Essa ligação, que hoje é essencial para milhares de pessoas, começou como uma alternativa rudimentar e foi se transformando ao longo dos anos para atender às demandas de uma crescente população. As primeiras travessias: o início de uma conexão histórica No início do século XIX, as travessias entre o Rio de Janeiro e Niterói eram realizadas por embarcações movidas a vela ou a remo. Essa era a única forma de ligação direta entre as duas cidades, uma vez que não existiam pontes que conectassem os dois lados da Baía de Guanabara. As viagens eram lentas e bastante dependentes das condições climáticas, muitas vezes tornando-se perigosas pa
TRANSE DA MEIA-NOITE
PARTE 1 - NO CAMPO SANTO
Seu sorriso me fez tremer, mas seu olhar me prendia |
Acabei de colocar as flores em cima do mármore, e havia acabado de fazer a minha prece. O barulho do vento, espalhando as folhas pelo chão, era a única coisa que eu podia ouvir na imensidão do silêncio do cemitério.
Eu coloquei a minha mão no bolso, e tirei um cigarro, e acendi com meu isqueiro.
Ouvi passos atrás de mim, que parecia pisar as folhas secas. Me arrepiei.
Me virei, e ela apareceu!
O que você está fazendo aqui? Ela me perguntou.
Eu engoli seco, pensei de onde ela saiu, e como surgiu do nada.
Fala, moço! Perdeu a língua?
Só vim visitar um parente. - Respondi!
Ela deu uma gargalhada, e disse: Eu sei! Eu, já sabia, moço! Eu, só vim aqui te pedir um cigarro.
Eu entreguei o cigarro para ela, ainda tentando entender o que estava acontecendo. Suas mãos eram frias, como se tivessem acabado de sair de um banho gelado. Ela sorriu de um jeito enigmático, um sorriso que parecia conter segredos antigos.
— Você vem sempre aqui? — ela perguntou, acendendo o cigarro com o meu isqueiro, sem tirar os olhos de mim.
Eu balancei a cabeça, tentando encontrar minha voz.
— Não... Não muito. Só em dias especiais — respondi, sentindo o peso das palavras no ar.
Ela soltou a primeira tragada, o fumo formando uma névoa que se misturava com o frio do fim da tarde.
— Hoje é um dia especial para você? — Ela perguntou, sem desviar o olhar.
— É... — hesitei. — Era aniversário dela.
— Ah, entendo... — Ela disse, soltando a fumaça devagar, como se estivesse ponderando algo importante. — A saudade é uma coisa engraçada, não é? Parece que ela se apega à alma, nunca vai embora de verdade.
Eu não sabia o que dizer. Havia algo nela que me deixava inquieto, algo que não combinava com a normalidade daquela situação. Seu vestido escuro ondulava com o vento, e seus olhos, profundos e brilhantes, pareciam captar mais do que deveriam.
— E você? — perguntei, tentando aliviar a tensão que se instalara entre nós. — O que faz aqui, sozinha?
Ela riu novamente, dessa vez mais suave, quase melancólica.
— Ah, moço... Eu venho aqui para lembrar. Para não esquecer quem eu sou. Ou quem eu fui...
Aquelas palavras ecoaram dentro de mim como um sino distante, e de repente, tudo pareceu mais frio, mais denso. Eu senti um arrepio subir pela minha espinha.
— Você... — comecei, mas a pergunta morreu na minha garganta. Algo me dizia que eu não queria, ou talvez não deveria, saber a resposta.
Ela deu a última tragada no cigarro, apagou-o no chão com um gesto tranquilo, e me olhou com uma expressão que eu não conseguia decifrar.
— Bom, acho que já está na minha hora — ela disse, começando a se afastar.
— Espere! — eu disse, quase sem pensar. — Qual é o seu nome?
Ela parou, olhando para mim por cima do ombro, e respondeu com um sorriso enigmático:
— Talvez um dia você descubra... Se tiver sorte.
PARTE 2 BECOS DO RIO
E então, como se o vento a tivesse levado, ela desapareceu na penumbra do cemitério, deixando-me ali, sozinho, com a estranha sensação de que algo mais profundo e misterioso acabara de acontecer.
O vento continuava a soprar, levando as folhas para longe, mas agora o silêncio parecia diferente. Mais pesado, mais cheio de significados que eu ainda não podia compreender.
Acendi outro cigarro, mas o gosto amargo que ficou na boca não vinha do tabaco. Vinha da certeza de que aquela noite, e aquele encontro, me seguiriam por muito tempo.
Aquele dia ficou para trás, e eu continuei seguindo minha vida normalmente. Algumas vezes, à noite, antes de dormir, a imagem daquela mulher e seu sorriso vinham à minha mente.
Eu não sabia se era ela que estava me tirando o sono ou se eram as dívidas que se acumulavam em meu nome.
Fazia dois anos que eu havia ficado viúvo, e desde então, tudo havia piorado.
Na sexta-feira, saí da repartição e parei na Cinelândia. Resolvi ficar na rua até mais tarde, enquanto apreciava as modas e tomava uma cerveja.
As horas passaram rapidamente, e quando me dei conta, já era quase uma hora da madrugada de sábado.
Paguei o garçom e decidi fazer uma longa caminhada até meu pequeno apartamento na Praça da República.
De repente, o vento de chuva começou a soprar, e os papéis eram arrastados pela rua no centro do Rio.
Eu gosto de andar, e mesmo precisando caminhar cerca de 25 minutos, não me importava de andar pelas ruas do centro à noite.
Eu até achava interessante.
Porém, ao me aproximar de um beco, senti o cheiro de cigarro e vi alguém encostado no poste, escondido na escuridão.
Um arrepio me percorreu, e forcei a vista para ver quem era. Dei um passo à frente, com um certo receio, mas também cheio de curiosidade.
Vi a silhueta feminina da mulher encostada no poste, usando uma longa saia que arrastava pelo chão. Seus cabelos estavam soltos, e ela segurava o cigarro entre os dedos.
3 - NA ENCRUZILHADA DO BECO
Aproximei-me, pois a escuridão ainda não havia revelado seu rosto, mas eu já sabia quem poderia ser.
Conforme me aproximei, a coragem veio, e, a menos de um metro, seu rosto se revelou.
Era ela! A mulher do cemitério.
— Está com medo de quê, moço? — disse ela, puxando a fumaça do cigarro com uma certa sensualidade.
Ele bateu de frente com ela na escuridão. Ela era mais misteriosa que a noite, e seu poder de atração era mais forte que a luz da luz. |
Aquele encontro inesperado me deixou paralisado por um instante. O som das minhas próprias batidas de coração parecia ecoar mais alto que o vento que soprava pela rua deserta. Ela exalava um mistério que me atraía e me assustava ao mesmo tempo. Mesmo na penumbra, seus olhos brilhavam com uma intensidade perturbadora.
— O que você quer de mim? — perguntei, tentando soar mais corajoso do que realmente me sentia.
Ela deu uma última tragada no cigarro e jogou-o no chão, esmagando-o com o salto de seu tamanco. Seu sorriso era enigmático, quase predatório.
— Talvez eu só queira uma boa companhia para essa noite — disse ela, aproximando-se um pouco mais. — Ou talvez... algo mais.
Eu recuei um passo, mas não consegui me afastar de verdade. Havia algo naquela mulher que me prendia ali, como se ela tivesse lançado um feitiço em mim. O cheiro do cigarro ainda pairava no ar, misturado com o aroma de chuva iminente.
— Você não deveria estar aqui — eu disse, embora minha voz soasse mais como uma pergunta do que uma afirmação.
Ela riu, um som baixo e rouco que pareceu vibrar na noite.
— Eu vou onde sou necessária. E, pelo visto, você precisava de mim.
Ela se aproximou mais, até que seu rosto estivesse a centímetros do meu. Eu podia sentir seu hálito quente, misturado ao cheiro de tabaco e algo mais, algo que eu não conseguia identificar. Seus olhos, agora bem visíveis, eram profundos e pareciam conter segredos que remontavam a eras.
— Você é real? — perguntei, sem pensar, minha voz tremendo levemente.
Ela não respondeu de imediato. Em vez disso, sua mão fria tocou meu rosto, traçando uma linha suave até meu queixo. Aquele toque me fez estremecer, mas eu não recuei.
— O que é real, moço? — respondeu ela, finalmente. — Real é o que sentimos, o que tememos, o que desejamos... E eu sei que você me deseja, mesmo que não queira admitir.
Eu tentei negar, mas as palavras não saíram. Algo nela mexia comigo de uma maneira que eu não conseguia explicar, e isso me assustava mais do que qualquer coisa. Havia um poder naquela mulher que transcendia o normal, o racional.
Ela se afastou um pouco, ainda me observando como se pudesse ver através de mim, até os cantos mais sombrios da minha alma.
— Venha comigo — ela disse, estendendo a mão. — Há muito mais para você descobrir nesta noite do que imagina.
Eu hesitei, o medo e a curiosidade travando uma batalha interna. Seguir aquela mulher era como saltar para o desconhecido, para um mundo que eu não compreendia. Mas algo me dizia que, se não o fizesse, jamais saberia o que estava por trás daquele sorriso enigmático.
Finalmente, deixei o medo de lado, pelo menos o suficiente para dar o próximo passo. Eu peguei sua mão, e um arrepio percorreu meu corpo, como se eu tivesse acabado de cruzar uma linha invisível.
— Vamos — ela sussurrou, e juntos, nos perdemos na escuridão do beco, onde as sombras pareciam ganhar vida, e o mistério da noite só começava a se revelar.
3 - FESTA NO BARRACÃO
Entramos na escuridão do beco e encontramos uma construção antiga com uma porta de madeira. Do lado de fora, parecia uma daquelas quitandas das décadas de 30 e 40.
Por um momento, temi entrar pela abertura na porta de madeira, pois a escuridão era imensa. A misteriosa mulher entrou na frente, puxando-me pela mão. Eu hesitei um instante antes de entrar, mas ela me puxou com uma leveza delicada, usando apenas a ponta dos dedos.
Comecei a ouvir tambores e atabaques, e, como se estivesse acordando de um sonho, me vi no meio de um barracão com telhado de palha e bambu. O local estava iluminado por lampiões, de forma rústica e antiga. Não sabia se era querosene ou óleo que estava sendo queimado.
Era como se eu não estivesse no século 21; o ambiente estava cheio de pessoas, em sua maioria negros e negras. Eu estava agora sentado no meio do público, e minhas roupas pareciam semelhantes às deles.
As pessoas estavam sentadas em círculo dentro daquele barracão, enquanto outros dançavam no centro, também em círculo.
Minha anfitriã surgiu correndo de um quartinho com cortinas feitas de folhas de bananeira e palmeiras. Ela parou no centro do círculo, com uma cigarrilha na mão, e soltou uma grande gargalhada. Todos ficaram em silêncio, e ela tragou, jogando a fumaça para o ar.
Uma menina, vestida de forma muito simples, se aproximou da mulher que me levou até ali e entregou-lhe uma taça com algo que parecia vinho. Ela sorriu, agradeceu à criança e bebeu, olhando de forma penetrante para mim.
Ela passou o cigarro para a mão de outra jovem e veio em minha direção. Uma pequena mureta separava o público do centro do salão.
Ela se aproximou da mureta, de frente para onde eu estava, e me olhou como se estivesse me chamando. Eu me levantei e fui até ela.
— Você vai beber comigo! — disse ela.
Ela bebeu da taça e, em seguida, entregou-a a mim. Quando bebi, percebi que realmente era vinho. Ela começou a dançar no meio do salão, e o som dos atabaques começou a ecoar.
Algumas pessoas surgiram com pratos de barro, oferecendo diversos tipos de comida e distribuindo entre os presentes.
Enquanto a música e a dança continuavam ao redor, eu me deixei envolver pela atmosfera vibrante do barracão. As pessoas dançavam com uma energia contagiante, seus movimentos sincronizados em um ritmo ancestral que parecia ressoar com a própria terra. A comida, servida em pratos de barro, tinha um aroma que misturava especiarias e temperos, e os sabores eram intensos e exóticos, um contraste marcante com o que eu estava acostumado.
A anfitriã, com sua presença magnética, era o centro das atenções. Cada movimento dela parecia ser uma celebração, e o sorriso que não saía de seu rosto parecia irradiar uma alegria genuína. A taça de vinho em minha mão estava agora vazia, e eu a coloquei de volta na mesa, me sentindo leve e um pouco tonto, como se a bebida tivesse me transportado para um estado de êxtase.
Enquanto a dança continuava, ela se aproximou novamente, com os olhos brilhando à luz dos lampiões. Seus cabelos soltos balançavam com a leveza dos movimentos, e sua presença parecia ser a personificação da noite.
— Venha — ela disse, estendendo a mão para mim. — Quero mostrar algo a você.
Eu a segui, curioso e um pouco ansioso. Ela me conduziu até uma pequena área lateral do barracão, onde havia um altar simples coberto com velas e oferendas. O lugar estava repleto de símbolos e objetos que eu não reconhecia, mas que tinham um aspecto sagrado e reverente.
Ela acendeu uma vela e, com um gesto suave, fez um sinal para que eu me aproximasse. Eu o fiz, observando enquanto ela fazia uma série de movimentos elegantes e gestos, murmurando palavras que soavam como um cântico.
— O que é isso? — perguntei, tentando compreender o significado da cena.
Ela me olhou com um sorriso enigmático e, antes que eu pudesse continuar, virou-se para mim e, com um olhar mais sério, disse:
— Há algo que você precisa saber sobre mim. Meu nome é Maria.
Eu fiquei surpreso com a revelação, sem saber se deveria sentir alívio ou inquietação. Ela parecia tão enigmática, e agora, ao revelar seu nome, havia uma sensação de intimidade que ainda não compreendia completamente.
— Maria? — repeti, tentando entender o significado daquele nome, que parecia ter uma importância especial.
Ela assentiu, seu sorriso voltando a ser mais leve e acolhedor.
— Sim, Maria. Eu sou a guardiã desta noite, desta festa, e das histórias que ela conta. Há muitas coisas que você ainda precisa descobrir, e a noite está longe de acabar.
Enquanto falava, o som dos atabaques se intensificava, e a dança ao redor parecia ganhar uma nova dimensão, como se estivesse chamando todos para se unirem em uma celebração mais profunda. Eu a observei, fascinado, enquanto ela continuava sua dança ritualística, imersa em um mistério que me convidava a explorar.
A noite parecia ter se tornado um livro em aberto, cheio de promessas e enigmas. E, enquanto Maria se movia com uma graça etérea, eu sabia que aquela experiência estava apenas começando, e que minha jornada com ela seria muito mais do que eu jamais imaginei.
4 - OQUE VOCÊ QUER DE MIM ?
As horas foram se passando, e eu me envolvi cada vez mais nas danças, bebendo ao longo da noite. Notei algumas vezes como Maria me observava, parecendo querer confirmar se eu estava realmente me divertindo. Já tinha bebido bastante antes de ser levado por Maria.
Aquela mulher misteriosa estava agora no centro do salão, e, por um momento, as pessoas começaram a se aproximar dela, buscando conselhos. Maria atendeu uma a uma, até que, após conversar com cada pessoa, segurou sua taça de vinho em uma das mãos e, com a outra, estendeu a mão para mim, sem dizer uma palavra, como se me chamasse para o centro do salão.
Sem hesitar, fui até ela.
Quando me aproximei, ela perguntou:
— Gostou da minha festa?
Apenas balancei a cabeça, afirmando que sim. Maria, então, disse:
— O que você quer de mim?
Por alguns segundos, fiquei perdido com aquela pergunta, pois imaginava que era ela, Maria, quem deveria querer algo de mim. Mas, querendo ser o mais sincero possível, respondi:
— O que eu quero de você talvez você não possa me dar.
— Por que não tenta? — disse ela.
Pela primeira vez, consegui esboçar um leve sorriso diante daquela mulher misteriosa. Ela, pela primeira vez, parecia curiosa.
Decidi pedir algo que, na verdade, não era o que eu realmente desejava naquele momento.
— Eu quero dinheiro para pagar minhas dívidas, Maria — respondi. Mas, no fundo, meu coração desejava outra coisa.
Maria deu uma estridente gargalhada e disse:
— Então, vou te dar dinheiro, rapaz! Espere, que o seu dinheiro vai chegar às suas mãos.
Maria tragou seu cigarro e me disse:
— Feche os olhos!
Fechei meus olhos, e foi quando ela soprou a fumaça de seu cigarro em meu rosto.
Acordei com o sol batendo em meu rosto, entrando pela janela do meu quarto. Perguntei a mim mesmo se havia sonhado, mas me sentia como se estivesse de ressaca após uma noite de bebedeira. Levantei-me e fui para a cozinha fazer café, mas os olhos de Maria e seu sorriso não saíam da minha mente.
Os dias foram se passando e tudo corria normalmente, até que, no final da tarde de um sábado, decidi passear para espairecer a mente e estava caminhando pelo calçadão de Icaraí, em Niterói. Parei em um quiosque para pedir uma cerveja. Um senhor, que parecia ter cerca de 60 anos, estava ali conversando com o balconista, dizendo que sua esposa estava muito enferma, com um problema no pulmão e uma tosse que não a deixava em paz havia muito tempo.
Não queria me intrometer na conversa, mas lembrei que, alguns anos atrás, também passei por uma situação semelhante, em que tomei muitos xaropes para aliviar uma tosse persistente, sem sucesso. Até que uma idosa me disse que eu deveria tomar o suco das folhas de uma planta conhecida como assa-peixe.
— Senhor, o senhor já ouviu falar em assa-peixe? — perguntei, quase sem querer, como se as palavras escapassem de minha boca.
Ele respondeu:
— Não!
Então eu disse:
— Isso pode ser a solução para sua esposa. Se o senhor der para ela o suco das folhas dessa planta por sete dias, pode ajudar.
Ele parecia surpreso e, ao mesmo tempo, muito interessado.
— Mas, meu filho, onde posso encontrar isso? Será que na feira?
Respondi:
— Se o senhor me passar o telefone, eu posso arrumar para o senhor.
Imediatamente, ele me passou o telefone, e eu garanti que não demoraria muito a encontrar a planta, já que sabia onde achá-la. Na segunda-feira, já estava com alguns ramos da planta e liguei para ele. Uma mulher, que disse ser a empregada, atendeu e me passou o endereço em Icaraí, Niterói, dizendo que o senhor morava ali mesmo. Ela pediu que eu fosse até lá.
Ao chegar no local, notei o condomínio de luxo na rua principal. Pedi ao porteiro que interfonasse e me identifiquei. Em poucos minutos, minha entrada foi permitida, o que me surpreendeu, pois imaginei que alguém viria até a portaria pegar a planta.
Aquele senhor me atendeu, e eu entreguei o assa-peixe em suas mãos, explicando exatamente como ele deveria preparar o suco. A empregada prestou atenção, pois seria incumbida de fazer o suco com as folhas da erva. O senhor se apresentou como Rodolfo e me disse:
— Seu telefone está gravado comigo, e eu te dou notícias.
Ele se despediu, depois de me oferecer um café.
Passaram-se exatamente sete dias até que meu telefone tocou. O senhor Rodolfo parecia muito feliz. Disse que sua esposa estava muito bem e que a tosse dela realmente havia cessado. Os médicos constataram que os pulmões dela estavam completamente limpos, como os de uma criança. Fiquei contente com a notícia, mesmo sem ter muita intimidade com ele ou com a esposa dele. Rodolfo disse que gostaria de falar comigo novamente e queria que fosse pessoalmente.
Concordei, e marcamos o dia para nos encontrar.
Quase dez dias haviam se passado desde minha experiência com a misteriosa Maria. E, mesmo pensando nela todos os dias, ela havia desaparecido. Eu sentia sua falta.
5 - PROMESSA É DIVIDA
Naquela manhã de domingo, o encontro com Rodolfo estava marcado para o meio da tarde. Acordei cedo, ainda com a sensação estranha da noite em que conheci Maria, mas tentei afastar os pensamentos para focar no compromisso do dia. Me vesti com simplicidade e saí rumo ao endereço que ele havia me passado.
Ao chegar no edifício, o porteiro me reconheceu e permitiu a entrada sem demora. Rodolfo me recebeu com um sorriso largo, seu semblante mais aliviado do que da última vez. Sua esposa, dona Helena, estava sentada no sofá, coberta por um xale claro, mas com um ar revigorado. Ela se levantou com dificuldade para me cumprimentar, seu olhar demonstrava uma gratidão sincera.
— Esse é o rapaz que trouxe o assa-peixe, Helena! Graças a ele, você está melhor — disse Rodolfo, com uma emoção genuína na voz.
Ela sorriu, acenando com a cabeça, e disse com uma voz suave:
— Muito obrigada, jovem. Você foi uma bênção para nossa casa.
— Fico muito feliz que ela tenha melhorado — respondi, sentindo o ambiente aconchegante, como se tivesse feito parte daquela família por mais tempo do que realmente havia sido.
Depois de um breve café e uma conversa agradável sobre como Helena vinha se recuperando, Rodolfo foi até um armário e retirou um envelope. Ele estendeu o objeto para mim, dizendo com firmeza:
— Quero que aceite isso como forma de agradecimento.
Peguei o envelope, sentindo seu peso, e tive a certeza de que continha dinheiro, mais do que eu esperava. A princípio, tentei recusar:
— Não precisa, senhor Rodolfo. Fiz apenas o que qualquer pessoa faria.
Mas ele insistiu, olhando nos meus olhos com seriedade.
— Não, meu amigo, você nos ajudou de verdade. Isso é o mínimo que podemos fazer por você.
Acabei aceitando o envelope, agradecido, mas ainda um tanto desconcertado. Não era só o dinheiro em si, mas a estranha coincidência de eu ter pedido isso na noite com Maria, e agora estar recebendo exatamente o que desejava, de uma forma completamente inesperada.
Após mais algumas palavras de gratidão e despedidas, deixei o apartamento. Ao sair pelas ruas de Icaraí, uma brisa fresca batia no rosto, e a sensação de alívio misturava-se com um desconforto silencioso. Caminhei até o calçadão, tentando entender tudo o que havia acontecido nas últimas semanas.
O peso do envelope em minha mão parecia crescer a cada passo. "O dinheiro vai chegar às suas mãos", Maria havia dito. E chegou. Mas não pude evitar pensar: a que custo?
Enquanto caminhava de volta para casa, a mente vagava por pensamentos desconexos, mas um sentimento predominava: isso estava longe de acabar.
6 - Uma revelação
Eu não contei quanto havia dentro daquele pacote. Era um envelope de papel bem gordo, e eu não fazia a mínima ideia de quanto poderia ter ali. Saí andando pelo calçadão de Icaraí, passei pela praia de Boa Viagem e fiquei um bom tempo contemplando o lindo museu que se encontra ali. Depois, lentamente, prossegui minha caminhada, passando pelo pequeno bairro de Gragoatá, pela Cantareira, até chegar ao centro de Niterói.
Sentei em uma mesa de bar e comecei a tomar uma cerveja, enquanto as horas passavam. Algo dentro de mim me fazia ter medo de abrir o envelope e descobrir quanto havia lá dentro. Decidi apenas continuar bebendo minha cerveja, sem me preocupar com o tempo que avançava.
Confesso que, quando percebi, pelo menos dez garrafas de cerveja estavam sobre a mesa, e eu já estava bêbado. Paguei a conta com meu cartão e, na mesma rua onde estava, não muito longe da estação das barcas, entrei em um hotel e resolvi passar o resto da tarde descansando até o efeito do álcool passar. Era um desses motéis que alugam quartos por hora, então eu conseguia ouvir gritos — mas não de dor, e sim de prazer, se é que me entendem.
Eu simplesmente apaguei!
Quando olhei para o relógio, vi que já estava bem tarde e corri para pegar a última barca em direção à Praça XV.
Chegando do outro lado da baía de Guanabara, as poucas pessoas que saíram da barca Neves V logo se dispersaram pelas ruas do centro do Rio. Caminhei lentamente, sentindo a brisa da noite no centro do Rio.
Ao passar em frente ao Arco do Teles, olhei para aquela viela e um frio percorreu minha espinha. Lá, em meio à luz turva, estava a silhueta daquela mulher misteriosa. A fumaça de seu cigarro subia sob a fraca iluminação, e ela me olhava à distância.
No íntimo do meu pensamento, senti que ela me chamava. Parei por alguns segundos, e meus passos começaram a me levar lentamente até ela.
Quando cheguei bem perto, ela colocou as duas mãos em volta do meu pescoço, e seu rosto ficou colado ao meu.
— Gostou do presente? — perguntou ela.
Por um instante, não liguei a pergunta ao que ela realmente queria dizer, hipnotizado por seu perfume e seu olhar. Respondi:
— Que presente?
Ela soltou a fumaça do cigarro no meu rosto, deslizou uma das mãos até o bolso de trás da minha calça e disse:
— Este aqui, meu amor! Eu não te disse que o dinheiro iria aparecer?
Naquele momento, percebi que não podia continuar hipnotizado por tamanha beleza e pela voz misteriosa dela. Tentei me recompor e ser mais lúcido em minhas indagações.
Afastei-me e falei:
— Escuta, quem é você e o que você quer comigo?
Maria jogou o cigarro no chão, apagou-o com o pé e, jogando seus cabelos para trás, respondeu:
— Eu sou Maria, já te falei isso!
Eu gritei:
— Que Maria?
Ela tirou uma navalha de dentro do decote e o brilho da luz refletiu na lâmina. Com um sorriso no rosto, ela disse:
— É melhor você não gritar, porque, com a mesma rapidez que você está subindo, eu faço você descer.
— Eu não tenho o direito de saber quem é você e o que você quer? — perguntei novamente.
— Quem eu sou, você já sabe! E o que eu queria com você era só te ajudar. Mas agora cabe a você decidir se quer que eu fique ou se quer que eu vá.
Enquanto ela dizia isso, olhou profundamente nos meus olhos. Senti que suas palavras diziam uma coisa, mas seus pensamentos me transmitiam outra mensagem.
— Estou sozinho há muito tempo. Estava sem dinheiro...
— Agora você já tem, e muito! — interrompeu ela.
Continuei:
— Agora eu quero companhia, sabe... sair, passear...
Maria andou à minha volta, me analisou de cima a baixo e, balançando a cabeça, disse:
— Vocês são sempre assim, não? Querem saber de dinheiro, mulheres, "corre-corre"... O dinheiro que eu te dei, moço, dá pra você comprar um "corre-corre", sabia? E também dá pra arrumar uma companhia por um tempo.
Ela deu um leve empurrão em mim e sorriu.
— Maria, vamos tomar uma cerveja? Podemos nos conhecer melhor. Não precisamos ficar nos encontrando no escuro, no meio do centro da cidade — sugeri.
— Eu posso beber com você, moço, mas não posso beber nos lugares que você vai. Tem que ser onde eu te levar.
— Por que, Maria? — perguntei.
Ela ficou de frente para mim, colocou as mãos novamente em volta do meu pescoço e disse:
— Porque eu não sou mais deste mundo, moço!
7 - Entre dois mundos
As palavras dela ecoaram na minha mente como um trovão em plena noite silenciosa: "Porque eu não sou mais deste mundo, moço!".
Por um instante, fiquei paralisado. O frio que antes percorria minha espinha agora congelava meu corpo inteiro. Estava claro que Maria não era apenas uma mulher misteriosa, mas algo além da compreensão comum. Ainda assim, eu me recusava a aceitar essa realidade, mesmo com o cheiro adocicado de sua presença e o peso do que acabara de dizer.
— Como assim você não é deste mundo? — consegui balbuciar, ainda sem acreditar completamente.
Ela sorriu, mas não foi um sorriso de simpatia ou gentileza. Era um sorriso carregado de segredos e dores antigas, como se soubesse algo que eu jamais entenderia.
— O que você acha que estou tentando te dizer esse tempo todo? — Ela acariciou meu rosto com uma delicadeza inquietante. — Eu vim para te dar algo que ninguém mais poderia. Algo que você estava procurando, mesmo sem saber.
— Dinheiro? — perguntei, confuso.
Ela deu uma risada baixa, abafada pela brisa que passava pela viela. Parecia quase debochar da minha inocência.
— Não é sobre o dinheiro. Isso foi só um... incentivo. O verdadeiro presente é a escolha que você terá que fazer. Você está na fronteira, entre o mundo dos vivos e o dos mortos, e eu sou sua guia, moço.
Minha cabeça girava com o efeito do álcool, a revelação inesperada e a presença enigmática de Maria. A cada palavra dela, o ar parecia pesar mais, como se a própria realidade ao nosso redor estivesse mudando, se dobrando à sua vontade.
— Você está louca! — Finalmente consegui responder, tentando afastar o medo crescente dentro de mim. — Isso é algum tipo de jogo? O que você quer de verdade?
Ela suspirou e se afastou alguns passos, seus olhos escuros brilhando sob a luz fraca da viela.
— Eu não quero nada de você. Já fiz o que tinha que fazer. Agora, a escolha é sua: continuar preso ao que te arrasta para baixo, ao desespero, à solidão, ou aceitar a minha oferta e abrir os olhos para o que realmente existe além desse mundo.
— Mas o que você quer dizer com "esse mundo"? — perguntei, começando a duvidar de tudo ao meu redor. Era como se cada palavra dela questionasse minha própria existência. — Você está me dizendo que... eu estou morto?
Maria não respondeu imediatamente. Em vez disso, ela começou a andar lentamente, seus pés tocando o chão com uma leveza sobrenatural. Por um momento, parecia flutuar. Quando finalmente voltou a falar, sua voz estava mais suave, quase como um sussurro.
— Não... ainda não. Mas você está à beira, e é por isso que estou aqui. Você anda por aí, perdido, sem rumo, procurando algo que não sabe o que é. Sua alma está vazia, assim como as garrafas que você deixa sobre a mesa. E se você continuar assim, logo cruzará a linha sem nem perceber.
Engoli seco, tentando entender tudo aquilo. Algo dentro de mim lutava contra, rejeitava a ideia de que eu estivesse envolvido em algo tão... estranho, tão além do normal. Mas ao mesmo tempo, havia uma parte de mim, uma parte sombria e silenciosa, que sabia que Maria estava certa. Que algo dentro de mim já estava, de fato, morto.
— E se eu aceitar sua oferta? — perguntei, a voz saindo mais baixa do que eu esperava. — O que acontece?
Ela se aproximou novamente, sua presença cada vez mais hipnotizante, como se o próprio ar ao redor dela estivesse carregado de energia.
— Se aceitar, eu te mostro coisas que você jamais imaginou. Lugares, sentimentos, segredos enterrados no tempo e no espaço. Mas há um preço. Sempre há.
— Que preço? — minha voz saiu quase como um sussurro, cheio de medo e curiosidade.
— Sua alma... — disse ela, sorrindo. — Uma vez que você cruza a fronteira, não há mais volta. Você se torna parte de algo maior, mas perde algo que jamais poderá recuperar.
— E se eu recusar? — perguntei, com o coração acelerado.
— Se recusar, a vida segue. Você volta para o seu vazio, para o ciclo de desespero e solidão, até o dia em que a morte te encontra de verdade, e aí sim, já será tarde demais para escolhas.
Ela parou e olhou profundamente nos meus olhos, como se esperasse que eu tomasse minha decisão ali, naquele momento. O som da cidade parecia desaparecer ao nosso redor, e tudo o que restava era o peso da escolha que estava diante de mim.
De repente, a realidade começou a parecer distorcida. Eu não sabia mais se estava de fato acordado, se Maria era real ou apenas fruto da minha mente perturbada. Mas, ao mesmo tempo, sabia que qualquer que fosse a resposta, aquilo mudaria o rumo da minha vida para sempre.
— Eu... — comecei a falar, mas as palavras sumiram na minha garganta.
Maria apenas esperava, com aquele sorriso enigmático no rosto.
A decisão era minha. O que eu faria a partir daqui?
8 - Um encontro na Cinelandia
_ Maria, eu preciso de um tempo para pensar e organizar as minhas ideias _ respondi, temeroso.
_ Está bem! Da próxima vez que nos encontrarmos, eu aceitarei seu convite para beber com você _ respondeu Maria, segurando a ponta do meu queixo com a mão.
Ela se virou, e seu cabelo bateu em meu rosto, trazendo consigo seu perfume diferente, e que me exitou.
Fiquei observando-a enquanto se afastava, até desaparecer em uma pequena curva do Beco do Teles.
Virei-me para ir embora e ouvi sua gargalhada ao longe.
Ao chegar em casa, joguei-me no sofá e senti o envelope duro embaixo de mim. Coloquei a mão no bolso e retirei o envelope grosso, percebendo que era a hora certa de abri-lo. E foi isso que fiz!
Dentro, havia um maço volumoso de notas de 200 reais. Comecei a contar e logo cheguei à soma de 20.000 reais. Era inacreditável que, por conta de algumas ervas, eu estivesse com aquela quantia em minhas mãos.
Por um momento, me perguntei se aquele dinheiro também teria um preço. Afinal, eu lidava com o desconhecido. Agora, sim, eu sabia que era algo totalmente desconhecido.
Dormi e acordei com o sol já raiando, sentindo como se algo estivesse sugando minhas energias. Era o cansaço da ressaca e uma noite de sono mal dormido.
Os dias se passaram e fazia exatamente sete dias desde que tive a experiência de encontrar Maria novamente no Beco do Teles.
Preciso confessar que, neste momento, não estava muito animado para reencontrá-la. Havia um certo medo em mim.
Não sabia se ela poderia me fazer bem ou mal.
Minhas dívidas estavam pagas e agora me sentia tranquilo quanto a isso, mas a solidão ainda me acompanhava.
Lembrei-me do que Maria havia me falado caso eu aceitasse sua proposta:
_"— Se aceitar, eu te mostro coisas que você jamais imaginou: lugares, sentimentos, segredos enterrados no tempo e no espaço. Mas há um preço. Sempre há."_
Pensei que o que Maria estava me oferecendo era algo que eu poderia buscar e conquistar, sem me arriscar em algo mais profundo ou no desconhecido.
Estava na Cinelândia, em mais uma noite de domingo, quando, sozinho, imaginava o que diria quando ela voltasse a aparecer.
Enquanto pensava, tomava minha cerveja sentado em um tradicional bar da Cinelândia, até que uma pessoa se aproximou e tocou meu ombro, dizendo:
_ Boa noite, moço. Será que o senhor poderia me ajudar?
Virei-me e vi uma jovem mulher, de cabelos negros e cacheados, com a pele muito branca e um rosto inocente. Ela parecia um pouco aflita.
_ Pois não, senhora. Como posso ser útil? _ perguntei.
_ Moço, eu acabei de esquecer meu celular no carro do aplicativo e queria saber se você poderia me emprestar o seu para eu entrar na minha conta e tentar localizar o motorista.
Notei o quanto a jovem estava aflita e imediatamente lhe entreguei o telefone. Pedi que se sentasse comigo à mesa, para que pudesse ficar mais tranquila enquanto tentava entrar em contato com o motorista.
Ela ficou alguns minutos mexendo no celular, enquanto eu tomava minha cerveja, observando seu semblante preocupado e como seu rosto era bonito.
Ela colocou o celular em cima da mesa e disse: _ O senhor está com muita pressa? _
_ Não, não estou. Por quê? _ respondi.
_ Porque o motorista disse que está um pouco longe daqui e que terá que levar um passageiro em Santa Cruz antes de voltar para me entregar o celular.
Imaginando a situação da moça, decidi esperar, mas lhe disse:
_ Posso esperar um tempo, mas espero que ele não demore muito. Pois, quando meu sono bate, não consigo segurar _ respondi.
Iniciamos uma conversa. Ela me contou que era da Bahia e havia chegado ao Rio de Janeiro há pouco tempo para trabalhar alguns meses. Disse que estava sozinha e passaria a noite em um hotel.
Fomos conversando e fiz questão de que ela tomasse algo comigo, mas ela se negou a beber e acabou aceitando apenas um refrigerante.
Conversamos por mais de uma hora, e ela compartilhou um pouco da sua vida. Disse que era de Ilhéus, que seus pais trabalhavam em uma fazenda de cacau, mas atualmente estavam aposentados. Ela se tornara dançarina e daria aulas de dança no Rio por apenas alguns meses.
Já era quase 2 da madrugada quando, finalmente, o motorista retornou com o celular da moça. Ela veio até a minha mesa novamente para agradecer, e perguntei se poderia voltar a vê-la, talvez até em uma aula dela de dança. Ela foi muito gentil e concordou.
9 - DECISÃO
Os dias se arrastaram desde o nosso encontro, e a imagem da jovem dançarina da Bahia ainda pairava em minha mente. Seu sorriso e a forma como falava sobre suas experiências me deixaram intrigado. No entanto, o que mais me perturbava era a lembrança de Maria e da proposta que ela me fizera.
Certa noite, buscando distração, voltei ao Beco do Teles. O cheiro das ervas ainda pairava no ar, e a atmosfera mágica do lugar me lembrou de tudo que eu havia vivido ali. Ao caminhar, percebi que a solidão que sentia estava se intensificando, como se eu estivesse à beira de uma decisão crucial.
Então, para minha surpresa, avistei Maria. Seu cabelo dançava suavemente ao vento enquanto ela se aproximava de mim com um sorriso enigmático. Nossos olhares se encontraram e, com um movimento suave, ela se posicionou ao meu lado.
_ Você veio me procurar? _ perguntou Maria, sua voz suave, mas repleta de uma intensidade que me fazia tremer.
_ Eu… não sei se estou pronto para isso _ respondi, tentando controlar a hesitação em minha voz.
_ O que você teme? _ indagou, sua expressão séria. _ O desconhecido é intimidador, mas pode também ser libertador.
As palavras dela ecoaram em minha mente, e eu me senti dividido entre a segurança da rotina e o apelo da aventura que ela representava. _ E se o preço for alto demais? _ perguntei, a ansiedade crescendo.
_ Tudo na vida tem um preço. Mas, por vezes, o que você descobre pode valer mais do que você imagina _ respondeu, inclinando-se um pouco mais perto.
_ O que você quer de mim, Maria? _ questionei, sabendo que a resposta poderia mudar tudo.
_ Eu quero que você escolha. _ Ela respirou fundo, como se estivesse se preparando para revelar um segredo. _ Se você decidir ficar comigo, será meu parceiro para sempre. A partir do momento que você me beijar, o pacto estará selado. Você não poderá tocar em nenhuma outra mulher.
Suas palavras me deixaram atordoado. _ E se eu não quiser? _ perguntei, o medo se misturando à curiosidade.
_ Se você recusar, eu desaparecerei para sempre _ ela disse, com um olhar que misturava tristeza e determinação. _ Você nunca mais poderá me encontrar.
Fiquei em silêncio, tentando processar tudo o que Maria acabara de me dizer. Havia uma atração intensa entre nós, algo que eu nunca havia sentido antes, mas a ideia de perder todas as outras possibilidades me aterrorizava.
_ Eu não sei se posso fazer isso _ confessei, a voz embargada.
_ Pense com o coração, não com a razão _ ela aconselhou, sua mão delicadamente pousando sobre a minha. _ O amor verdadeiro exige sacrifícios, mas os presentes que você receberá serão infinitos.
A pressão do momento era avassaladora. Eu sabia que estava à beira de uma escolha que mudaria o curso da minha vida. Olhei em seus olhos e vi uma mistura de esperança e vulnerabilidade, o que só aumentou minha confusão.
_ E se eu decidir? _ indaguei, quase com medo da resposta.
_ Então estaremos juntos, compartilhando um mundo que poucos conhecem. Mas a escolha é sua, e eu respeitarei qualquer que seja a decisão _ respondeu, sua voz agora um sussurro suave.
A música do Beco do Teles continuava a tocar ao fundo, como se o universo estivesse esperando por minha resposta. A ideia de um futuro ao lado dela era tentadora, mas a possibilidade de renunciar ao que conhecia também era assustadora.
Respirei fundo, pesando cada palavra, cada sensação. A escolha estava nas minhas mãos, e o tempo parecia se esgotar.
_ O que você vai decidir? _ perguntou Maria, seu olhar fixo no meu, esperando.
10 - Dinheiro não compra amor e felicidade
_“Maria, você é uma mulher encantadora, e eu não tenho dúvidas de que qualquer homem desejaria tê-la. Mas eu não posso fazer isso! Você mesma disse que não é exatamente uma pessoa deste mundo”, completei._
Maria virou-se de costas, deu três ou quatro passos e apoiou uma das mãos na parede, olhando para o chão. Seus cabelos balançavam suavemente com a brisa. Por um momento, percebi que aquela mulher poderosa, embora parecesse não pertencer de fato a este mundo, ainda possuía dentro de si a capacidade de sentir.
_“Agora você tem dinheiro e pode ter qualquer mulher que desejar”,_ disse Maria.
Aproximei-me dela e coloquei a mão em sua cintura. Ela se virou e olhou profundamente em meus olhos.
Rapidamente, meu olhar desceu para seu decote, e, entre os seios marcados pelo sol, vi a ponta de uma navalha. Maria percebeu e sorriu.
_“Vamos beber, e eu desaparecerei para sempre da sua vida. O que eu tinha que fazer por você, já fiz. Agora, vá atrás da bailarina”,_ completou.
Um calafrio percorreu meu corpo. Como ela sabia sobre a bailarina? Para ter certeza, perguntei:
_“Que bailarina?”_
Maria continuou caminhando pelo Beco do Teles, rebolando a cada passo.
_“A talzinha da Bahia!”,_ respondeu ela.
Segui Maria, que se sentou em uma mesa no final do beco. O garçom se aproximou para anotar seu pedido, mas, sem responder a ele, Maria olhou para mim.
_“Uma cerveja, por favor”,_ respondeu ao garçom.
_“Por que você anda com essa navalha?”_, perguntei curioso.
Ela sorriu e disse:
_“É um hábito. Já me serviu bem e a muitos outros, moço. É proteção!”_
Ficamos ali bebendo por um tempo, até que uma senhora se aproximou com um balde de flores. Peguei uma rosa vermelha, paguei à senhora e a entreguei a Maria.
Ela pegou a rosa, passou as pétalas delicadamente pelo rosto e fechou os olhos. Inspirou profundamente e, enquanto segurava a flor com uma mão, pousou a outra sobre a minha. Meu corpo se aqueceu e meu coração acelerou. Maria abriu os olhos e disse:
_“Obrigada! Adoro rosas.”_
Ela passou a mão rapidamente pelos cabelos, levantou-se e disse:
_“Adeus! Muito axé em sua caminhada, moço.”_
Tentei responder, mas um nó inesperado travou minha garganta. Maria se ergueu, segurou a saia com ambas as mãos, girou graciosamente e sorriu antes de se afastar. Segui com o olhar enquanto ela virava na esquina e desaparecia de vista.
Algo me dizia que era um adeus definitivo. Permaneci ali, refletindo. Mesmo com dinheiro, sentia-me sozinho. E agora? Encontraria a bailarina?
Alguns dias se passaram. Em uma sexta-feira à noite, após o trabalho, uma ideia insana me ocorreu. Continuava solitário e carente, então decidi me distrair em um lugar com música, cigarro, bebida e mulheres. Chamei um carro de aplicativo e desembarquei na rua Sotero dos Reis, na Praça da Bandeira. Estava na famosa Vila Mimosa, um dos mais tradicionais e conhecidos redutos de prostituição do Brasil. As ruas fervilhavam de movimento, assim como as boates.
Ao entrar em uma boate, pedi uma cerveja e me aproximei de uma máquina de caça-níqueis. Enquanto jogava distraído, senti uma mão suave em meu traseiro e ouvi uma voz:
_“Procurando diversão, moço?”_
Olhei para o lado e vi uma jovem de pele clara e cabelos lisos que batiam no bumbum. Ela usava uma franja que emoldurava seu rosto delicado, conferindo-lhe um ar de inocência. Vestia apenas duas peças: o biquíni que cobria os seios e outra peça mínima.
Virei-me e olhei para ela, meus olhos deslizando por seu corpo perfeito. Antes que eu pudesse dizer algo, ela pegou minha mão e perguntou: _“Vamos?”_
Sorri levemente, sinalizando minha concordância. Ela foi até um rapaz, que indicou: _“Pague a ele!”_ Não era um cafetão; apenas o funcionário que administrava os quartos. Após o pagamento, ele me deu um preservativo, e subimos por uma escada em caracol até o segundo andar. O quarto era pequeno, mas limpo, com uma cama, uma mesinha e uma lixeira.
Deitamos e nos acariciamos até consumar o ato. Acendi um cigarro enquanto a jovem repousava a cabeça no meu braço. Quando o cigarro estava quase no fim, olhei para a mesinha ao lado. Meu coração disparou e um arrepio percorreu meu corpo. Sobre a mesa, havia uma navalha. Como ela foi parar ali?
_“Querida, essa navalha é sua?”_, perguntei.
_“Não é sua?”_, ela respondeu.
Levantei-me, intrigado, e comecei a me vestir.
_“Já vai?”_, ela perguntou. _“Quando vai voltar? Me procure.”_
Peguei a navalha rapidamente, coloquei-a no bolso e, ao sair, deixei um cartão para ela.
_“Não venho aqui com frequência, princesa. Mas, se quiser, me procure.”_
Caminhei pela rua e, ao chegar ao final, retirei a navalha do bolso e a observei. Era idêntica à de Maria. Seria um sinal dela?
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