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Responsável por um terreiro de candomblé relatou ter sofrido racismo religioso ao sepultar um filho de santo no Cemitério de Inhaúma na última segunda-feira. O pai de santo e advogado Pedro Paulo Chagas, conhecido na tradição religiosa como Pedro de Sogbo, conta que tentava realizar o processo ritualístico fúnebre de um filho de santo quando foi abordado por um funcionário da Rio Pax, que administra seis cemitérios públicos na cidade, que tentou impedir parte da cerimônia. O caso recebeu apoio da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), e foi registrado na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) nesta quarta-feira.
De acordo com o relato do pai de santo do terreiro Kwe Labyá, ele e mais quatro membros estavam indo em direção à capela da Rio Pax por volta das 9h, quando foram abordados pelo funcionário. Pedro Paulo conta que o homem disse que naquele local não era permitido “matança de animais”. O sepultamento estava marcado para às 14h.
— Perguntei que animais? E expliquei que só tinha um bicho, e que isso faz parte do ritual. Ele disse que eu não iria fazer — relata Pedro Paulo.
O pai tentou explicar que o direito de realizar a sacralização do animal é garantido pelo STF. Pedro Paulo pediu, então, para que o funcionário se retirasse do local, mas optou por não dar seguimento ao ritual naquele momento, devido à existência de câmeras na capela. A concessionária Rio Pax foi procurada pelo EXTRA, via e-mail e telefone, mas não retornou até a publicação desta reportagem.
Para o babalawo Ivanir dos Santos, interlocutor da CCIR, trata-se de uma violação do direito religioso. Segundo Ivanir, o direito de culto é constitucionalmente garantido a todos.
— Infelizmente ainda são recorrentes as violações dos direitos religiosos dos adeptos às religiões de matrizes africanas. É dever do Estado garantir a equidade religiosa e promover a tolerância. Saliento que a liberdade de culto é um direito garantido constitucionalmente (no artigo 5º, VI) e precisa ser respeitado — explica Ivanir.
De acordo com o sacerdote, o ritual só pôde ser realizado depois que a CCIR e a Polícia Militar foram acionadas. Segundo ele, o funcionário chegou a dizer que “permitiria” que o processo acontecesse. No entanto, segundo o pai de santo, nesse momento o local já estava cheio de amigos e familiares do filho de santo, que era médico. Para Pedro Paulo, foi um momento de grande constrangimento.
— O policial queria levá-lo para a delegacia, mas eu teria que ir junto e não conseguiria fazer o ritual. Eles têm uma estrutura montada para isso. Todos os funcionários homens se mobilizaram em cima das pessoas para não permitir que fosse feito o ritual. Era mais de um funcionário em cima. Você percebe que ali tem uma organização, foram vários funcionários repetindo que não iríamos fazer — diz o sacerdote, que lembrou de outro caso parecido há três anos e teme por outros candomblecistas: — Se eu fosse qualquer outra pessoa que não tivesse esclarecimento da área jurídica, não conseguiria fazer. Quantos outros Pedros mais não estão sendo impedidos de fazer o ritual?
Ainda segundo Ivanir dos Santos, a tentativa de impedir um ritual fúnebre é ofensiva já que, de acordo com o interlocutor da CCIR, além da dor da perda de um ente querido, ainda é necessário encarar o ultraje “por praticar a fé”.
— Até quando temos que lidar com isso? A intolerância ainda é uma triste realidade para os adeptos das religiões de matrizes africanas. É mais que um direito. Além de lidar com a dor da perda com companheiro, ainda somos ultrajados por praticar a nossa fé. O artigo VI é claro. A Constituição Federal estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.
O caso foi registrado por Pedro Paulo, acompanhado de um advogado especialista, como "ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo" e "preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional", e será investigado pela Decradi.
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